segunda-feira, 29 de abril de 2013


Violência coloca em xeque a punição a jovens infratores


Adolescentes detidos em carceragem da Diju, em São José - Foto: Claudio Vieira  270413
Adolescentes detidos em carceragem da Diju, em São José

Na véspera de completar 18 anos, adolescente participa de assalto a casal de idosos em Cunha; mulher de 70 anos acaba morta a facadas. ‘Como se um dia separasse a consciência dele entre saber ou não o que fazia’, diz delegado
Violência coloca em xeque a punição a jovens infratores strong>
São José dos Campos

Um dia apenas. 24 horas. Esse é o tempo que separou um adolescente homicida da região de cumprir a pena prevista pelo Código Penal, que pune os casos de latrocínio (roubo seguido de morte) com reclusão de até 30 anos.
Mesmo roubando e matando uma mulher de 70 anos e ferindo gravemente o marido dela, de 75 anos, que corre o risco de ficar com sequelas, ele e outros dois jovens envolvidos com os crimes só poderão ficar detidos três anos.
Sairão em liberdade sem nenhuma mancha em sua ficha. E quem tira a mancha que paira sobre a família das vítimas?
“Os assassinos estarão em liberdade em muito menos tempo que a nossa dor levará para desaparecer”, disse um dos parentes da idosa assassinada, que não quis se identificar. “Um jovem que tira a vida de uma pessoa tem que ser tratado como um adulto, responsável pelo seu crime”.
Prisão.
Na semana passada, a Polícia Civil de Cunha prendeu três adolescentes acusados de matar Nair Carvalho e espancar o marido dela, que segue internado no hospital em Guaratinguetá. Ambos estavam em casa quando foram surpreendidos, no dia 15 de abril.
O marido levou pancadas na cabeça e pode ficar com graves sequelas. Nair levou cinco facadas e morreu na hora.
Os jovens, que têm 15, 16 e 17 anos, confessaram o crime. Eles pretendiam levar dinheiro e o carro das vítimas. O mais velho, segundo a polícia, fez 18 anos no dia seguinte ao crime.
Mas ele não responderá pelo crime como adulto. É beneficiado pela Constituição Federal e pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), que classificam como adulto apenas os maiores de 18 anos.
“Como se um dia separasse a consciência deles entre saber ou não o que faziam”, disse o delegado Marcelo Hial.
Violência. 
Em São José, um garoto de 17 anos esfaqueou um homem de 56 anos e quase o levou à morte. Foram oito facadas no tórax e pescoço. Uma cirurgia salvou a vida do homem. O crime ocorreu no dia 9 de abril, no Morumbi, na região sul da cidade. O agressor fez 18 anos nove dias depois da tentativa de homicídio.
Ele já está em liberdade. Se já fosse adulto, poderia ser enquadrado como crime de lesão corporal grave, com pena de dois a oito anos.
Para a doméstica S., 33 anos, cujo filho de 15 anos foi detido duas vezes por roubo, a lei é branda demais e atua como incentivadora da violência.
“Os jovens se sentem impunes. Eles roubam e matam e pouca coisa acontece.”


Padre defende diálogo com jovem infrator
O sotaque italiano ainda é bastante notado quando o padre Renato Chiera, 70 anos, critica a forma como os governos, de uma maneira geral, lidam com os adolescentes envolvidos com drogas e o crime.
“Eles jogam o problema para debaixo do tapete, como está fazendo o Rio de Janeiro, e não tratam os jovens como seres humanos”, disse o sacerdote, que adotou o Brasil como lar há quase 30 anos.
Ele esteve em Aparecida, há duas semanas, para contar aos bispos reunidos para a 51ª Assembleia Geral da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) sua experiência com jovens que vivem em cracolândias no Rio e na Baixada Fluminense.
Chiera é fundador da Casa do Menor São Miguel Arcanjo, em Nova Iguaçu, que completou 27 anos em 2013.
Nos últimos dois anos, ele comemora a recuperação de mais de 30 jovens viciados em crack e infratores.
“A gente age com amor com eles, os acolhendo e mostrando que a vida tem um outro lado que não aquele que estão vivendo, que não é vida de jeito nenhum”, disse Chiera.
“O que acontece nas cidades do país, e aqui também na região, é que o jovem infrator vira alguém irrecuperável. Não é assim”, afirmou.

 
‘O tráfico está criando uma geração de jovens no crime’Fábio de Carvalho Joaquim, delegado da Diju (Delegacia da Infância e Juventude) de São José, se depara com adolescentes infratores todos os dias. A maioria dos crimes cometidos por eles tem a ver com o tráfico de drogas e o roubo. Para o delegado, os traficantes perceberam que a mão de obra juvenil é barata e está disponível. “Um jovem pode ganhar até R$ 100 para vender drogas. Quem vai querer acordar cedo para trabalhar”, questiona Joaquim, que já viu uma “carta de recomendação” para um jovem ingressar numa quadrilha criminosa. “Eles estão entrando no crime.”
‘O Estado falha nas políticas públicas para os jovens’Dom Raymundo Damasceno Assis, presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) e cardeal-arcebispo de Aparecida, é contra a redução da maioridade penal. Para ele, punir o adolescente é o “caminho mais fácil do problema”. Ele questiona as políticas públicas voltadas para os adolescentes e as famílias que, segundo ele, são falhas e escassas. “É preciso buscar as causas da violência, não colocar os jovens na cadeia”, afirmou.

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